Ecologia do Parto

24/02/2015
Autor: 
Dr.João Batista de Castro Lima (diretor clínico do Hospital Sofia Feldman)

 

Ecologia tem a ver com o modo como nos relacionamos com o ambiente. Normalmente, as discussões sobre o parto ficam muito limitadas e são relacionadas a complicações, mortalidade. Vamos falar de ecologia do parto. Qual o significado do parto para os seres humanos, o vir ao mundo? Existem poucos estudos sobre o assunto. O meio uterino como é? Quais as influências que o bebê recebe? O que o alimenta? Como ele vive? A mulher está grávida e o médico diz que o bebê está bem. Bem, em que sentido? Bem-estar é uma expressão muito ampla.

Têm surgido estudos que mostram essa relação. O obstetra Michel Odent, francês radicado na Inglaterra, chama de saúde primal o período que vai desde a concepção até um ano de idade. E pergunta: quais as influências que podem modificar comportamentos e influir no ser humano para o resto da sua vida? Temos mais perguntas que respostas. Do ponto de vista científico, não existe interesse em investir em pesquisas. Odent não se chama mais de obstetra, mas de parteiro. Ele escreveu o livro “O Camponês e a Parteira”, no qual faz um paralelo entre a agricultura e a obstetrícia modernas. Com investimentos em tecnologia, aumentou a produtividade, como a agricultura intensiva modifica os solos? A agricultura perde a característica natural e, como isso pode afetar a vida das pessoas? A contagem global de espermas está diminuindo. Agrotóxicos? Podem ser uma ameaça à fertilidade. O investimento em obstetrícia, a medicalização do parto, a cesariana, o parto hospitalizado, como tudo isso pode interferir naquele bebê que está nascendo? Intervir no processo é intervir no nascimento do ser humano.

O parto é o momento mais importante, é um momento crucial. O que pode significar isso não só nos limites do ser humano, mas das gerações? Estudos feitos no Japão com crianças autistas relacionou o problema do autismo com a grande incidência de indução do parto em determinado hospital. Nos Estados Unidos, a taxa de cesarianas é considerada alta (26%-dados de 2005). No Brasil, é absurdo, alguns hospitais chegam a 100%. Existem hospitais que não fazem partos normais.

A Medicina

No curso de Medicina, o treinamento dos alunos em obstetrícia é precário. Eles aprendem nas residências médicas. Aprendem a ver o corpo como uma máquina  deficiente que tem que ser consertada. É um paradigma tecnocrático, modelo biomédico tecnicista.Nos países da Europa, o parto é parto como sempre foi, a cesárea é exceção. O que precisa mudar é esse modelo comandado pela Medicina, é a mulher ter mais poder e mais consciência do seu corpo.

Na Europa, ainda existem as parteiras. Na Inquisição, houve um processo de exclusão das parteiras, uma caça às bruxas. Eram acusadas de matar as criancinhas e muitas foram queimadas vivas. Mas, na França, elas ocuparam o seu espaço, são chamadas sage femme  e foram incorporadas ao processo formal de educação.

No momento do parto, o que vai acontecer com esses indivíduos que nascem de hora marcada, sem o trabalho de parto, não liberam os hormônios que atuam – os beta-endorfina, a ocitocina, chamada por Odent de hormônio do amor (está ativo na na relação sexual, na amamentação e no parto) – e que deixam a mulher em estado de graça, gerando comportamentos amorosos e melhorando o desenvolvimento natural?

O que a gestante deve falar com seu médico?

Ela deve falar suas experiências, procurar ser bem-informada. A grande maioria dos médicos não está preparada para dar uma assistência com o mínimo de intervenção, deixar a mulher livre em contato com sua mente e seu corpo...

Num parto, um outra mulher nasce ali. Com a criança, nasce um novo ser humano, um novo mundo, uma nova família. Ela modifica qualitativamente o mundo.

Dr.João Batista de Castro Lima (diretor clínico do Hospital Sofia Feldman – consultor do Ministério da Saúde, no Programa Rede Cegonha)

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